Hoje lembro duas MULHERES marcantes da cultura e sociedade portuguesa que, pela sua rectidão e conduta, continuam e continuarão a constituir referências de valor do meu querido Portugal.
Pela universalidade dos seus valores, escolho para elas a rosa de porcelana africana, símbolo de fortaleza. doçura e rectidão.
Não soubéssemos nós que a busca se interrompeu, e diríamos que Sophia continua a sonhar o que sempre desejou:
"Um país liberto,
Uma vida limpa,
Um tempo justo.
A voz suave, as palavras quase sussurradas, as imagens que dizem a casa e o mar, tudo é simples nela:
"É então que se vê o passar do silêncio
Navegação antiquíssima e solene
Não é só o mundo grego que exprimem estas palavras.
É também, e talvez até, anterior a tudo mais, a consciência da navegação do eu:
"Eu me busquei no vento e me encontrei no mar
E nunca um navio da costa se afastou sem me levar"
Mas, de repente, a sua palavra faz-se denúncia e a menina do mar torna-se violenta nas palavras:
"Com fúria e raiva acuso o demagogo
E o seu capitalismo das palavras"
Em Sophia, a palavra faz a pessoa, molda o povo, trás com ela história e sonho. Não hesita em dizer que:
"De longe muito longe
O homem soube de si pelas palavras
E nomeou a pedra, a flor, a água.
E tudo emergiu porque ele disse"
A criação aqui não é só uma metáfora mas a própria maneira de ver o mundo. Por isso, a denúncia se torna mais instante:
"Com fúria e raiva acuso o demagogo
Que se promove à sombra da palavra
E da palavra faz poder e jogo
E transforma as palavras em moeda
Como se fez com o trigo e com a terra"
A palavra que faz o homem, desfaz também a sua própria criação. Por isso, Sophia retoma a esperança que a habita, mesmo nos momentos em que tudo parece soçobrar. Por isso, o seu acto de fé:
"E os poemas serão o seu próprio ar
Canto do ser inteiro e reunido
Tudo será tão próximo do mar
Como o primeiro dia conhecido"
O ser inteiro e reunido contém em si uma convicção filosófica que vai depois enriquecer toda a experiência. Por isso, no caminho da interrogação e da busca, Sophia pode afirmar:
"Apenas sei que caminho como quem
É olhado amado e conhecido
E por isso em cada gesto ponho
Solenidade e risco"
Poeta rara do século XX, (comparável talvez a Marguerite Youcenar e a Nathalie Sarraute), Sophia é ao mesmo tempo o dom e a beleza absoluta.
Maria de Lourdes Pintasilgo
in: "Mil Folhas" - suplemento do Público - 17 de Julho de 2004