domingo, 26 de julho de 2009

PORQUE REFLECTIR É PRECISO!

Queridos(as) Amigos(as),
Hoje trago-vos um texto que acabei de ler e, entendo dever compartilhar convosco. Trata-se de um excerto da palestra inaugural que Jean Claude Milner proferiu em Montpellier, na abertura dos Encontros de Petrarca, organizados pela France Culture e o Jornal Le Monde, no quadro do Festival de Radio France.
PORQUE REFLECTIR É PRECISO!

" A observar sem paixão, o capitalismo financeiro mede-se a inutilidade das condenações morais. Para que este tenha imposto o seu domínio durante quase um quarto de século é porque correspondeu, e em muito, a alguma necessidade objectiva. O que é que correu mal durante os últimos trinta anos, de onde acabámos de sair?

Três coisas sem precedentes na história do capitalismo.

Em primeiro lugar, o mercado tornou-se verdadeiramente global, por outras palavras, ilimitado, uma vez que o anitogo Bloco de Leste e a China adoptaram as suas regras, este estendeu-se a todos os territórios e, nestes territórios, nada nem ninguém escapou ao seu domínio.

Em segundo lugar, neste momento, de uma globalização extrema, as nações herdeiras do capitalismo clássico terão perdido definitivamente o controlo directo ou indirecto dos recursos energéticos. O petróleo britânico suaviza um pouco este quadro, mas não o altera.

Em terceiro lugar, um recurso natural chamou bem à atenção. Através das técnicas de terror ou de necessidade, este pode ser mesmo muito barato, é renovável e extremamente produtivo. Refiro-me à força do trabalho. Este é o principal recurso natural de que a China dispõe e ela explora-o intensivamente, sem problemas de consciência.

Resultado: As nações herdeiras viram desaparecer as suas vantagens, os seus lucros excessivos passaram para as mãos dos recém-chegados, alguns dos quais (Rússia, China, Índia) ainda se atrevem a anunciar pretensões ao poder militar. Desde o tempo do ouro espanhol, o fluxo do dinheiro nunca tinha aumentado tão rapidamente em tais proporções , mas estes fluxos desviam-se dos antigos santuários.

Uma intervenção permitiu evitar o perigo: o novo capitalismo financeiro. Este concentra-se basicamente em Wall Street e na City. São os lugares mais clássicos do capitalismo mais clássico. Dos lucros excessivos obtidos pelos proprietários dos recursos naturais, uma parte investe-se em despesa de equipamento ou de puro prestígio, o resto volta para os antigos países da finança. Os lucros excessivos, uma vez aplicados, geram novos lucros excessivos. Estes últimos são de novo aplicados, reinjectados na máquina para novos lucros excessivos. Entre Nova York, Londres e o Velho Continente o Lago Atlântico Norte torna-se num mare nostrum da riqueza. Roma está sempre em Roma.

Desde então, uma ilusão necessariamente se impõe, como quase inevitável. Uma aplicação financeira traduz-se sempre numa transferência de dinheiro: se o investimento é benéfico, o movimento parece em si mesmo gerador de lucro. Desta ilusão tira-se uma conclusão ao mesmo tempo perfeitamente lógica e perfeitamente ilusória ela também, uma vez que o deslocamento do valor cria por si só valor, é então suficiente multiplicar as deslocações de dinheiro. Quanto mais sinuoso for o percurso de cada produto financeiro mais os lucros crescerão. Eles crescem, na realidade, a cada passo, a cada movimento. Labirintos e rizomas produzem, por si mesmos, um ouro sempre a jorrar. Os modelos matemáticos utilizados pelos operadores financeiros servem para os construir.

O dispositivo explodiu. Isto não significa que o problema que devia resolver tenha deixado de existir. Os grandes e pequenos barões do mare nostrum estão preocupados, embora escondam essa preocupação. Alguns procuram novas soluções, outros pretendem reparar o que pode ser feito. Reduzir o consumo de energia, reduzir o custo do trabalho, consolidar os bancos, condenar a ganância, dialogar para nos embalarem, etc. As formas para o fazer são muitas: fazem pensar que há desacordo entre eles, mas deixam-se facilmente envaidecer. Vislumbra-se desde já que, no fim de contas, tudo será concluído com um acordo de conveniência e, pode-se igualmente esperar que não passará por massacres, como aconteceu durante 10 anos após 1929.
Mas o reino do capitalismo financeiro deixou marcas profundas. Que este se restabeleça, intacto ou não, os seus efeitos vão bem para além da finança e da economia. Este tipo de capitalismo organizou uma visão do mundo, e é contra o que dele resta que nós nos confrontamos, sob a forma de licções a aprender.
Primeira licção: Interrogamo-nos sobre as causas da crise. Mas, no fundo, pouco importam os detalhes. Conhecemos antecipadamente a conclusão - invocar-se-á uma combinação de factores que os peritos consideravam altamente improváveis. Ora, é exactamente aqui que está o centro da questão. Chegamos assim a uma das principais características da gestão moderna. Ser perito consiste em determinar pelo cálculo uma escala indo do mais provável ao mais improvável. Daqui se segue, consequentemente, o conselho dado aos decisores: " Não dêm atenção ao mais improvável". Este conselho foi geralmente aceite e executado. Para o pior, porque este conduziu necessáriamente à catástrofe. É que a sociedade moderna vive sob o regime do ilimitado. Ora, nos entrecruzamentos ilimitados de séries ilimitadas, o mais improvável acontece obrigatória e geralmente, de forma muito rápida. Desconfiar da amostragem estatística deverá ser o primeiro mandamento em política. Não me parece que os homens políticos disso estejam conscientes.
Segunda licção: O reinado do capitalismo financeiro confirmou a emergência material de não importa quem. Qualquer pessoa pode tornar-se rica fazendo seja o que for não são só os operadores na Bolsa que acreditam nisso. Para além do enriquecimento, todo o pensamento, em todos os seus aspectos, mergulhou em não importa em quê desde que indiferenciado. A estatística propôs a matematização. Alguns doutrinários disso fizeram um princípio de ética política. A democracia, proclamam eles, é quem não importa quem decide sobre não importa o quê. Substitua a palavra "decidir" por um outro verbo de sua escolha: "descarregar", "mostrar", proibir", "ajudar" e ter-se-ão obtido os elementos do consenso reinante. Este "não importa quem" político ou social não é senão o "não importa quem" do capitalismo financeiro. Os exaltados do participativo fariam bem em pensar nisso; eles apenas sublimam as mais baixas ilusões do mercado. Que eles tenham convencido a maior parte das pessoas honestas para partilhar a sua dependência é uma realidade e é a sua mais grave falha.
Terceira licção: Fala-se de regulação. Seja, mas surge uma pergunta. Quem estabelece as regras? O capitalismo financeiro reitera a sua resposta: não importa quem. Porque o capitalismo financeiro não existe sem regras: pelo contrário, está cheio delas. Qualquer astuto banqueiro poderia produzi-las à sua vontade. Do mesmo modo, o neodemocrata, perigoso na sua ordem tal como o neoconservador, aceita todas as regras, desde que o seu autor seja no sentido estrito, não importa quem. Houve uma idade trágica na Grécia; terá havido, de facto, uma idade da bolsa da sociedade moderna, e que coincide com o que Foucault chamou a "sociedade de controle" . Ilimitada multiplicação das regras, ilimitada multiplicação de fontes de regras, as liberdades não sobrevivem a isso. Nós temo-lo suficientemente sentido.
A crise financeira arrancou o véu que cobria uma crise infinitamente mais profunda. Se a razão prevalecesse, ninguém deveria continuar a acreditar nos contos de fadas. Não é qualquer regra que é equivalente a qualquer outra; não importa quem não tem legitimidade para as fazer. Isto produz a clássica pergunta: Quais são as fontes possíveis de regras e de que regras? Os povos, a representação nacional, os parceiros sociais?
Diante do desastre da sociedade de não importa quem, uma certeza se impõe: mais vale que as fontes sejam pouco numerosas e claramente definidas. Em suma, mais valem as instituições. Nacionais, supranacionais, internacionais, as circunstâncias decidirão. Quer se trate do mercado ou da opinião pública, ou da sociedade ou da política, não existe mão invisível".
In: " Après la crise , quelle(s) revolution(s) - Le Monde, 14-07-2009
De: Jean-Claude Milner

sábado, 11 de julho de 2009

O CARRO E OS CORNOS...

" Manuel Pinho foi o motor da revolução eléctrica – decisiva para a diminuição do aquecimento global.
Conheci o ministro Manuel Pinho no início da semana passada. Fiz parte do grupo das primeiras vinte câmaras que assinaram com o Governo o protocolo de arranque da rede eléctrica de apoio aos novos automóveis, amigos do ambiente, que estão a chegar.
Fez um discurso brilhante, integrado na apresentação dos primeiros modelos da viatura.
Pelo que ouvi, e vi, revelado por construtores e técnicos, aquela segunda-feira foi o primeiro dia de uma nova Idade.
A revolução que o Governo desenvolveu no âmbito das energias renováveis vai, a partir de 2011, ano em que vai começar a massificação do carro eléctrico, modificar por completo a mobilidade e a qualidade de vida das cidades.
Ainda fiquei mais surpreendido por Portugal ser o país de vanguarda, a nível mundial, nesta área de protecção ambiental e não tenho a mínima dúvida que naquela segunda-feira o Governo e as câmaras ali representadas começaram a escrever a parte mais empolgante da nova história do século XXI: o início da caminhada decisiva para a diminuição do aquecimento global, da desertificação, da poluição e rejuvenescimento do planeta.
A comunicação social deu ao assunto menos importância do que à transferência de um jogador banal e muito menos do que à morte do Michael Jackson. Pouco importa.
Naquela segunda-feira, no Pavilhão de Portugal, o Governo de Sócrates assinou a sua entrada para a História. E o motor dessa revolução eléctrica foi Manuel Pinho.
Foi com emoção que o cumprimentei e agradeci.Mal o conhecia e conheço. Apenas por leituras apressadas de historietas sobre o seu comportamento atípico.
Cinco dias depois, respondendo a uma falsidade que lhe era imputada por um deputado comunista, lá tornou a ser atípico, e no calor da discussão enviou-lhe um par de cornos. Fez mal. Os cornos não se enviam daquela maneira.
Não sei se a Assembleia da República celebrou o contributo de Portugal para este esforço mundial, que vai dos Estados Unidos à China, para a diminuição das emissões do dióxido de carbono.
Mas celebrou com forte chiadeira o par de cornos.
Está certo.
Conclui-se que os nossos deputados sabem muito, e ofendem-se com razão, de cornos e encornanços e pouco lhes interessa a revolução ambiental que vai modificar o País.
Um dia, quando a sensatez chegar, quando a nossa frota automóvel estiver pejada de carros eléctricos sem ruído e sem emitir gases tóxicos, saber-se-á que foi um senhor chamado Manuel Pinho, o grande propulsor da nova era.
Despedido com justa causa porque enviou um par de cornos a uma criatura qualquer."
Autor:
Francisco Moita Flores, Professor Universitário